Daigaku imo - O doce do tubérculo graduado

Uma das iguarias que logo me ganhou a estima e o estômago nestas paragens nipônicas foi a Daigaku imo (大学芋). Traduzida literalmente, significa "tubérculo da universidade". Que tipo de comida seria essa?

Pois trata-se de batata-doce (Ipomoea batatas), que é cortada em palitos grossos (com casca e tudo), cozida, coberta com uma calda de caramelo e salpicada de gergelim preto. Uma verdadeira delícia!

Deveria ter tirado a foto primeiro, antes de comer quase todo o conteúdo da caixinha de plástico, mas não resisti à tentação...


Mas por que será que esse quitute carrega a alcunha de "Tubérculo da Universidade"?

Para sanar minha curiosidade, perguntei ao fazedor da mesma, quando a comprei pela primeira vez de um vendedor ambulante em Yokohama. Muito atencioso, enquanto derramava calda de caramelo em cima da referida batata, ele me disse que o doce tinha esse nome porque quem o havia inventado (ele não sabia quem) começou a vendê-lo na porta de uma faculdade (ele não sabia qual), há muitos anos (ele não sabia quando).

Enquanto saboreava minha Daigaku imo e me melecava toda com a calda de variedade gosmenta, continuei intrigada com a história e decidi perguntar mais tarde (sim, porque teria de frequentar um lavatório primeiro, para eliminar os resquicios da comilança do rosto) a um conhecido meu, justamente professor de universidade.

Essa calda simplesmente escorre pela sua boca! Nham, nham!


Ele não conseguiu me fornecer nomes, mas me deixou com mais histórias e mais dúvidas na cabeça: disse que, logo após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, houve um período de muita fome e privação, pois grande parte dos campos cultiváveis haviam sido ou destruídos pelos bombardeios incessantes ou abandonados pelos camponeses temerosos dos mesmos. Finda a guerra, já quase não havia sementes para plantar e, em alguns casos, o solo tinha sido afetado de maneira tão brusca (pensem nos níveis de radiação próximos a cidades como Nagasaki ou Hiroshima, por exemplo) que, mesmo cultivado, não produzia nada. Nada, exceto tubérculos...

Essa parte eu achei meio estranha...Se o solo foi afetado pela radiação, não seria de se esperar que os tubérculos também fossem afetados? O narrador da história não soube dizer, e a mim me restou mais uma incógnita.

De qualquer modo, ele continuou: Foi nesse época que os americanos ou sei lá quem (esse professor não soube dizer com certeza) introduziram a batata-doce no arquipélago, porque as tropas aliadas estacionadas no país recém-conquistado * também precisavam comer, certo?

Pois a solanácea oriunda dos Andes deu-se muito bem por aqui e, por um bom tempo, chegou a ser o único tipo de alimento ingerido pelos menos favorecidos pela sorte, já que o arroz havia se tornado artigo raro e caro. E, de tanto comerem e continuarem cultivando a planta, mesmo com a situação econômica melhorando lá pelos idos dos anos 60, os japoneses continuaram prestigiando a convolvulácea que lhes havia salvado da inanição.

A salvação da lavoura...
Foto: Miya. Encontrada na Wikipédia.


- Agora, com licença que já estou atrasado para uma reunião...

Epa! Espera lá! E como é que isso evoluiu para a Daigaku imo?

- Ah, bom, sei lá... Acho que, de tanto comerem a batata, os japoneses acabaram por inventar pratos novos com ela, experimentaram cobri-la com calda... É isso aí, fui!

Mas, mas...

(som de porta se fechando)

E assim terminou, de maneira inconclusiva e abrupta, minha segunda investigação sobre o caso.

Depois de alguns anos sem nenhuma resposta elucidativa e de muitas Daigaku imo que passaram pelo meu aparelho digestivo, mudei-me para a região de Kansai (Quioto, Osaka, Kobe e arredores) e, para minha surpresa, descobri que por aqui eles vendem, sim, a "batata da universidade", mas não com esse nome.

Eles a chamam simplesmente de sutikku poteeto ("stick potato"), ou seja, batata palito. Às vezes lhe conferem um nome mais extenso, como kawa tsuki karikari sutikku poteeto (皮付きカリカリスチックポテート): "batata palito crocante com casca", mas nada que se compare ao charme e ao mistério da batata universitária...

A batata-doce, no entanto, continua uma delícia e a calda, pegajosa como sempre.

Em tempo: imo (芋) possui o significado geral de tubérculo. Se você quer dizer batata, por exemplo, é jagaimo (lê-se "djagaimo"; じゃが芋). Inhame é satoimo (里芋). E batata-doce, o ingrediente principal da Daigaku imo, tem o nome de satsumaimo (薩摩芋), literalmente: "o tubérculo de Satsuma", nome antigo de uma região do Japão que hoje é conhecida como província de Kagoshima.


* Ainda tem o hífen, certo? Se vocês que moram aí no Brasil e em Portugal ainda têm problemas em se ajustar às novas regras da "Nova Ortografia da Língua Portuguesa", imaginem euzinha aqui, ilhada neste arquipélago? Fico mais perdida que cego em tiroteio...

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