As cavernas de Genbu


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Uma das mais belas surpresas que tive ao passear de carro pela província de Hyōgo durante a Golden Week (uma semana de feriado que pega o finalzinho do mês de abril e o início de maio) foi a descoberta destas cavernas.

Localizadas no Parque Nacional San-in Kaigan (山陰海岸国立公園 San-in Kaigan Kokuritsu Kōen), próximo à cidade de Toyooka, são cinco cavernas com nomes de animais e criaturas mitológicas que simbolizam os quatro pontos cardeais e as estações do ano:

Entrada da caverna de Genbu
Foto: Hashi Photo. Encontrada na Wikipédia.


Genbu-dō (pronuncia-se mais ou menos como "guembudô") - O nome dessa caverna provém de Genbu, que no ocidente acabou sendo traduzido como "tartaruga negra", mas que na verdade se trata de dois animais, uma tartaruga e uma serpente enrolada sobre seu corpo. Na China antiga, ambos animais eram considerados símbolos de longevidade e sabedoria, e eram associados ao elemento terra, ao inverno e à direção norte;

Amigas ou inimigas?


Escamas de cobra (canto esquerdo) e casco de tartaruga (à direita)


Kita Suzaku-dō (caverna Suzaku norte) e Minami Suzaku-dō (caverna Suzaku sul) - São duas cavernas que, juntas, formam o corpo de um enorme pássaro vermelho que muita gente confunde com a fênix, por serem ambas aves relacionadas ao fogo. Mas Suzaku, diferente da fênix, não precisa renascer das próprias cinzas, pois é uma criatura imortal, um deus que domina o elemento fogo, rege o verão e a direção sul. Ao olhar para a caverna norte, dá pra imaginar direitinho as enormes asas desse imenso pássaro de fogo. Já a caverna sul, logo ao lado, parece desenhar uma longa e bonita cauda de penas no meio daquelas rochas vulcânicas.

Kita Suzaku-dō


Minami Suzaku-dō seria o rabicho do pássaro
Foto: Hashi Photo. Encontrada na Wikipédia.


Byakko-dō - A caverna do tigre branco fica a apenas uns poucos metros das duas cavernas de Suzaku, é a menor de todas e a que eu tive mais dificuldade para imaginar um tigre feito de pedras. Para mim, estava mais para uma coluna vertebral ou uma longa escada (Stairway to Heaven?).

Degraus de pedras que te levam ao paraíso


Somente quando me sentei para escrever este artigo é que notei que o felino divino poderia estar sendo "mostrado" de um ângulo superior, ou seja, como se estivéssemos pairando alguns metros acima dele e víssemos suas costas e listras típicas.

O tigre branco está associado ao elemento ar, ao outono e à direção oeste.

Cadê o tigre?
Foto: Hashi Photo. Encontrada na Wikipédia.


Seiryū-dō - A última das cavernas é a do dragão azul (ou verde, porque o kanjisei, ao(i) pode ser usado com esse significado também, como em 青信号 aoshingō, "sinal verde"). Este animal imaginário é o deus do elemento água, simboliza a primavera e a direção leste.

A caverna do dragão
Foto: Hashi Photo, na Wikipédia


Estas fantásticas formações rochosas se originaram de uma erupção vulcânica ocorrida há mais ou menos 1.600.000 (um milhão e seiscentos mil) anos que foi, aos poucos, esfriando e tomando a forma de gigantescos pilares e blocos penta, hexa, hepta ou até mesmo octogonais de basalto.

As cinco cavernas são normalmente referidas pelo nome da maior delas, Genbu-dō. Esta, por sua vez, recebeu seu nome de um estudioso de Confúcio chamado Shibano Ritsuzan * (1736 - 1807) que, ao visitá-las, lembrou-se da lenda chinesa ao vislumbrar o corpo de uma cobra nos pilares cheios de gomos e um casco de tartaruga nos blocos de pedras poligonais.

Além disso, em 1884, um geólogo da Universidade de Tóquio, Kotō Bunjirō **, ao decidir criar nomes japoneses para rochas e minerais que até aquele momento somente possuíam nomes estrangeiros, resolveu batizar o basalto de genbugan (玄武岩) que significa, literalmente, "rocha de Genbu", em homenagem a esse belo complexo de cavernas formado pela rocha de origem vulcânica.

Mapa mostrando as cinco cavernas (clique na imagem para ampliar)


* Shibano = sobrenome, nome de família; Ritsuzan = nome (ordem oriental de escrever nomes de pessoas)

** Kotō = sobrenome; Bunjirō = nome

Daigaku imo - O doce do tubérculo graduado

Uma das iguarias que logo me ganhou a estima e o estômago nestas paragens nipônicas foi a Daigaku imo (大学芋). Traduzida literalmente, significa "tubérculo da universidade". Que tipo de comida seria essa?

Pois trata-se de batata-doce (Ipomoea batatas), que é cortada em palitos grossos (com casca e tudo), cozida, coberta com uma calda de caramelo e salpicada de gergelim preto. Uma verdadeira delícia!

Deveria ter tirado a foto primeiro, antes de comer quase todo o conteúdo da caixinha de plástico, mas não resisti à tentação...


Mas por que será que esse quitute carrega a alcunha de "Tubérculo da Universidade"?

Para sanar minha curiosidade, perguntei ao fazedor da mesma, quando a comprei pela primeira vez de um vendedor ambulante em Yokohama. Muito atencioso, enquanto derramava calda de caramelo em cima da referida batata, ele me disse que o doce tinha esse nome porque quem o havia inventado (ele não sabia quem) começou a vendê-lo na porta de uma faculdade (ele não sabia qual), há muitos anos (ele não sabia quando).

Enquanto saboreava minha Daigaku imo e me melecava toda com a calda de variedade gosmenta, continuei intrigada com a história e decidi perguntar mais tarde (sim, porque teria de frequentar um lavatório primeiro, para eliminar os resquicios da comilança do rosto) a um conhecido meu, justamente professor de universidade.

Essa calda simplesmente escorre pela sua boca! Nham, nham!


Ele não conseguiu me fornecer nomes, mas me deixou com mais histórias e mais dúvidas na cabeça: disse que, logo após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, houve um período de muita fome e privação, pois grande parte dos campos cultiváveis haviam sido ou destruídos pelos bombardeios incessantes ou abandonados pelos camponeses temerosos dos mesmos. Finda a guerra, já quase não havia sementes para plantar e, em alguns casos, o solo tinha sido afetado de maneira tão brusca (pensem nos níveis de radiação próximos a cidades como Nagasaki ou Hiroshima, por exemplo) que, mesmo cultivado, não produzia nada. Nada, exceto tubérculos...

Essa parte eu achei meio estranha...Se o solo foi afetado pela radiação, não seria de se esperar que os tubérculos também fossem afetados? O narrador da história não soube dizer, e a mim me restou mais uma incógnita.

De qualquer modo, ele continuou: Foi nesse época que os americanos ou sei lá quem (esse professor não soube dizer com certeza) introduziram a batata-doce no arquipélago, porque as tropas aliadas estacionadas no país recém-conquistado * também precisavam comer, certo?

Pois a solanácea oriunda dos Andes deu-se muito bem por aqui e, por um bom tempo, chegou a ser o único tipo de alimento ingerido pelos menos favorecidos pela sorte, já que o arroz havia se tornado artigo raro e caro. E, de tanto comerem e continuarem cultivando a planta, mesmo com a situação econômica melhorando lá pelos idos dos anos 60, os japoneses continuaram prestigiando a convolvulácea que lhes havia salvado da inanição.

A salvação da lavoura...
Foto: Miya. Encontrada na Wikipédia.


- Agora, com licença que já estou atrasado para uma reunião...

Epa! Espera lá! E como é que isso evoluiu para a Daigaku imo?

- Ah, bom, sei lá... Acho que, de tanto comerem a batata, os japoneses acabaram por inventar pratos novos com ela, experimentaram cobri-la com calda... É isso aí, fui!

Mas, mas...

(som de porta se fechando)

E assim terminou, de maneira inconclusiva e abrupta, minha segunda investigação sobre o caso.

Depois de alguns anos sem nenhuma resposta elucidativa e de muitas Daigaku imo que passaram pelo meu aparelho digestivo, mudei-me para a região de Kansai (Quioto, Osaka, Kobe e arredores) e, para minha surpresa, descobri que por aqui eles vendem, sim, a "batata da universidade", mas não com esse nome.

Eles a chamam simplesmente de sutikku poteeto ("stick potato"), ou seja, batata palito. Às vezes lhe conferem um nome mais extenso, como kawa tsuki karikari sutikku poteeto (皮付きカリカリスチックポテート): "batata palito crocante com casca", mas nada que se compare ao charme e ao mistério da batata universitária...

A batata-doce, no entanto, continua uma delícia e a calda, pegajosa como sempre.

Em tempo: imo (芋) possui o significado geral de tubérculo. Se você quer dizer batata, por exemplo, é jagaimo (lê-se "djagaimo"; じゃが芋). Inhame é satoimo (里芋). E batata-doce, o ingrediente principal da Daigaku imo, tem o nome de satsumaimo (薩摩芋), literalmente: "o tubérculo de Satsuma", nome antigo de uma região do Japão que hoje é conhecida como província de Kagoshima.


* Ainda tem o hífen, certo? Se vocês que moram aí no Brasil e em Portugal ainda têm problemas em se ajustar às novas regras da "Nova Ortografia da Língua Portuguesa", imaginem euzinha aqui, ilhada neste arquipélago? Fico mais perdida que cego em tiroteio...

Dia das Mães - Obrigada, mamãe!

Para a minha mãe, tão distante na geografia mas sempre presente em meu coração, dedico este artigo e a letra traduzida desta música.

Arigato okaasan - Obrigada, mamãe

Letra: Osamu Kitayama Música: Kazuhiko Kato*

Okaasan anata wa tenshi
Mamãe, você é um anjo
Okaasan kagayaku taiyou
Mamãe, você é um sol brilhante
Okaasan aa itoshi no okaasan
Mamãe, ah, minha querida mamãe

Okaasan dakedo toki ni wa
Mamãe, mas às vezes
Okaasan kibun warukute
Mamãe, você é malvada
Okaasan aa daikirai okaasan
Mamãe, ah, mamãe, aí eu te odeio

Ima naita karasu ga warau you ni
Agora, para que o passarinho que chora volte a sorrir**
Kokoro wa korokoro kawaru kedo
O seu coração bate em um ritmo reconfortante
Umarete shibaraku no aida dake wa
Desde quando eu nasci
Gomen nasai watashi no wagamama
Me perdoe pelo meu egoísmo

Dakara okaasan anata nashi de wa
Porque, mamãe, se você não existisse
Okaasan ikite yukenai
Mamãe, eu não poderia viver
Okaasan aa inochi no okaasan
Mamãe, ah, mãe que me deu a vida

Okaasan kizu tsuitanara
Mamãe, mesmo quando você estiver machucada (magoada)
Okaasan waratte choudai
Por favor, mamãe, sorria para mim
Okaasan itai no ( itai no itai no) tondeke okaasan
Mamãe, minha sofrida (sofrida, sofrida) e maravilhosa mamãe

Okaasan ookikunareba
Mamãe, quando eu crescer
Okaasan itsuka sayonara
Algum dia, mamãe, vou ter de lhe dizer adeus
Okaasan aa itoshi no okaasan
Mamãe, ah, minha querida, amada mamãe
Arigato okaasan
Obrigada(o), mamãe!


Notas:
* Para variar apenas um pouco, coloquei os nomes dos autores na ordem ocidental: primeiro nome, depois sobrenome. É, eu também sou dada a umas esquisitices de vez em quando...

** A letra original fala de um "corvo chorando ou se lamentando" (naita karasu) mas, como corvo tem uma conotação meio negativa na cultura ocidental, sendo considerado ave de mau agouro, resolvi substituir pela palavra "passarinho".

Dia das crianças: Koi nobori e Musha ningyō

Carpas esvoaçantes


5 de maio foi Dia das Crianças no Japão e feriado. Ele foi o último de uma pequena sequência de feriadinhos que, juntos, formam o que os japoneses chamam de "Golden Week" (é, eles usam o inglês para se referirem a essa semana).

Pra falar a verdade, é um dia das crianças pela metade, pois o que se comemora mesmo não são as crianças de modo geral, mas apenas os meninos.

Acho que nomearam esta data como sendo das crianças apenas para justificar o feriado, pois existe um Dia das Meninas, em 3 de março, que não é dia de descanso a não ser que caia num domingo (pode ser implicância de minha parte, mas isso me cheira a machismo disfarçado...).

De qualquer forma, é um dia para rezar aos kami (deuses) para pedir que os meninos cresçam fortes e sadios.

Carpas penduradas por toda parte

Do final de abril até 5 de maio, são hasteadas birutas (ou mangas de vento, como se diz em Portugal) em formato de carpa, pois estas são símbolo de tenacidade e persistência, por lutarem contra a correnteza dos rios, e representam o desejo dos pais de que seus filhos varões tenham o espírito aguerrido e as mesmas qualidades atribuídas a elas. Este costume é chamado de Koi nobori (鯉幟, literalmente: "subida das carpas").

Birutas em Shirakawa

A carpa preta normalmente é a maior e representa o pai, sendo por isso colocada acima das demais. Para cada menino da família, são acrescentadas mais carpas, menores e de cores diferentes. Uma carpa vermelha costuma representar o filho primogênito, uma azul o segundo filho, uma verde para o terceiro e por aí vai. Atualmente, é difícil que uma família japonesa tenha mais de três filhos mas, caso haja um quarto filho homem, parece que a cor da vez é o violeta (eu ainda não vi uma carpa-biruta dessa cor).

Kintarô agarrado às costas da carpa-biruta

Além das carpas, neste dia também são expostos elmos (兜 kabuto) ou armaduras (鎧 yoroi) de personagens históricos ou ainda bonecos com figuras lendárias, como Kintarô (金太郎 Kintarou), um garoto de força descomunal, ou Momotarô (桃太郎 Momotarou), o menino que nasceu de um pêssego.

Kintarô montado numa carpa, com Momotarô ao fundo, do lado esquerdo


Elmo (Kabuto) utilizado por Sanada Yukimura


Réplica da armadura utilizada por Date Masamune


Elmos à venda


Todos os objetos acima são chamados de Musha ningyō (武者人形 lit.: bonecos guerreiros) ou Gogatsu ningyō (五月人形 bonecos de maio), embora também existam os bonecos propriamente ditos. Destes, uma das figuras mais populares e representadas é a de Minamoto no Yoshitsune, o vencedor da batalha de Dan-no-ura (em que o clã Taira foi finalmente derrotado pelas forças lideradas por Yoshitsune, do clã Minamoto). Herói de fim trágico, obrigado a cometer suicídio por causa das desconfianças e inveja de seu meio-irmão Yoritomo, Yoshitsune tornou-se objeto de muitas lendas, peças de teatro, novelas e, em todo 5 de maio, é figurinha carimbada e certa de aparecer em algum canto por aqui.

Musha ningyo do início da era Meiji (1868-1912), representando Yoshitsune. Foto: tkmrabbits/Talina. No Flickr.


Elmo de Minamoto no Yoshitsune

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