Hina Matsuri IV - VIPs, anões da Branca de Neve bêbados e o enxoval

Continuando com nossa programação normal...

Os ministros

Depois dos músicos, chegou a vez dos nobres também darem o ar de sua graça nas plataformas. Eles são representados pelas figuras de dois ministros, da direita e da esquerda.

E isto pode parecer um pouco confuso, mas o ministro da direita é colocado à esquerda (do ponto de vista de quem está olhando de frente para eles), e o ministro da esquerda fica à direita...

Udaijin e Sadaijin. Foto:Info Japan


▪ Udaijin(右大臣) - O ministro da direita

Representado como um homem adulto, sem barba.

▪ Sadaijin(左大臣) - O ministro da esquerda

O lado esquerdo era considerado superior na antiga corte japonesa (vide explicação mais detalhada no meu segundo artigo sobre Hina Matsuri). Por isso, um homem mais velho e supostamente mais sábio era frequentemente escolhido para ocupar este importante cargo. Do mesmo modo, o boneco representando o sadaijin possui uma longa barba branca e é mais velho do que o boneco do udaijin.

Normalmente, ambos ministros trazem uma aljava às costas com algumas flechas, além de espadas atadas à cintura. Também podem segurar arcos ou algumas flechas.

Os três homens bêbados

A plataforma que contém esses bonecos é a mais divertida e informal de todo o conjunto. Nela, tanto podem ser representados membros da classe samurai num momento mais relaxado, quando esses guerreiros se entregavam à bebedeira ou, ainda, pessoas das camadas mais baixas do palácio: os serviçais.

De qualquer forma, são três figuras com os rostos mais expressivos dentre as hina ningyō, cujos nomes me lembram os anões da Branca de Neve... Da esquerda para direita, são eles:

1. O beberrão zangado (怒り上戸, okorijōgo);




2. O beberrão triste (泣き上戸, nakijōgo);



3. O beberrão risonho ou feliz (笑い上戸, waraijōgo).



As três fotos acima foram encontradas no weblog Kairi.


Mas parece que o padrão Zangado-Triste-Feliz não é algo muito rígido, pois há alguns arranjos que mostram uma ordem diferente, em que temos Triste-Zangado-Feliz, como mostrado na foto logo abaixo:

Foto: Kairi


Além disso, também não parece haver muito consenso em relação a quem carrega o quê. Os arranjos no estilo da região de Kansai (Quioto, Osaka, Kobe e arredores) mostram os três como serviçais que carregam objetos destinados a limpar os jardins, como um rastelo (熊手 kumade), uma pá para recolher o lixo (塵取り chiritori) e uma vassoura (箒 hōki).

Limpadores de jardim, o estilo da região de Kansai.
Foto: David Wiley. Encontrada no Flickr


Eu já vi o Zangado com a pá ou com o rastelo. O Triste normalmente segura a pá, mas também há arranjos em que ele estava segurando a vassoura ou até mesmo o rastelo...

Quando eles são representados como samurais, bem ao estilo de Edo (Tóquio), carregam objetos como guarda-chuvas e uma mesinha.

Samurais, o estilo preferido da região de Kantō
Foto: Ningyou Chain


Vamos detalhar os objetos:



Daikasa ou daigasa (台笠);







Kutsudai (沓台);







Tachigasa ou Tategasa (立笠 ou 立傘).




Por fim, há aqueles bonecos que não negam que são beberrões mesmo, deixando de lado os instrumentos de trabalho ou peças decorativas e munindo-se de sakazuki, aqueles vasilhames para beber saquê que mais se parecem com pires, e uma boa garrafa da bebida...

Esses aí só querem saber de encher a cara...
Foto: Ikasashi


O enxoval

Nas duas últimas plataformas (quando se trata de um conjunto de sete), são dispostos os móveis e malas da noiva (a imperatriz) e também os meios de transporte utilizados para carregar todas estas coisas.

Na penúltima plataforma, são colocados diversos itens, como os mostrados na foto abaixo. São eles, em sentido horário, começando pelo canto superior direito: mesa contendo um conjunto usado nas cerimônias de chá (台子 daisu); caixas (挟箱 hasamibako); embaixo delas, um baú para estocar quimonos (長持 nagamochi); caixa de costura (針箱 haribako); penteadeira (鏡台 kyōdai); estante (箪笥 tansu); e, no centro, dois braseiros (火鉢 hibachi).

Foto: Hinaningyou


Finalmente, na última plataforma, um palanquim (御駕籠 gokago), utilizado para transportar a noiva quando ela se aventurava fora do castelo; um carro de boi (牛車 gisha ou gyuusha), para levar bagagens pesadas; e, no meio deles, um gaveteiro enorme (重箱 jubako).

Palanquim.
Foto: Jnn. Encontrada no Commons.


Carro de boi. Foto: Plaza Rakuten


Gaveteiro.
Foto (detalhe): katorisi. Encontrada no Commons.


Agora, vamos às principais fontes de referência para a confecção deste artigo, todas em japonês:

Koboku;
Ningyou Chain;
Fuyusun.

A feia face do preconceito

Interrompendo a minha série de artigos sobre Hina Matsuri, quero mostrar pra vocês, em primeira mão (espero) o que aconteceu hoje à tarde (domingo, 28 de março), quando estava passeando no centro de Quioto.

















A primeira coisa que me chamou a atenção foram as tropas de choque (primeira foto). Mais adiante, vi uma aglomeração de pessoas e o trânsito sendo redirecionado. Epa! O que será que aconteceu? Depois vi o carro da polícia (segunda foto) e, finalmente, comecei a compreender do que se tratava: uma passeata.

Passeata sobre o quê? Greve de operários, aumento de salário? Nada disso. Eram alunos, pais e professores de uma escola coreana protestando contra um ataque que essa escola sofreu no dia 4 de dezembro do ano passado por parte de um grupo de extrema direita.

Chegando aqui em casa, assisti a um vídeo (com legendas em inglês) colocado no VocêTubo mostrando o ataque:



Feridas e traumas provocados pela guerra (qualquer guerra) ainda continuam alimentando o ódio em toda parte...

Hina Matsuri III - As servidoras de saquê e o quinteto



Foto (detalhe): katorisi


San-nin kanjo (三人官女)- As três damas da corte

Na plataforma imediatamente abaixo do casal imperial são colocadas três damas da corte para servir-lhes saquê.

Olhando da esquerda para a direita, podemos ver uma dama em pé, trazendo o que parece uma chaleira na mão direita que, na verdade, não passa de um porta-saquê chique, o chōshi (銚子). Esta dama é chamada de Kuwae no chōshi (加えの銚子).

No centro, há uma dama sentada, a Sanpou (三方), segurando uma mesinha com um espécie de pires em cima. Este "pires" é o sakazuki (盃), um dos tipos de recipientes utilizados para beber saquê.

Em alguns conjuntos de bonecas hina, o sakazuki e a mesinha sem pernas que essa dama carrega são substituídos por um arranjo de flores de ameixa, bambu e galhos de pinheiro, o Shōchikubai (松竹梅 lit. pinheiro, bambu, ameixa) em cima de uma mesinha de quatro pernas. Este conjunto (arranjo mais mesinha) tem o nome de shimadai (島台), e simboliza a ilha da juventude eterna. Neste local mítico existe o elixir da vida (em alguns relatos, o elixir é substituído por uma fruta especial) e, quem o beber (ou comer, no caso da fruta) terá vida eterna.

Apetrechos das San-nin kanjo


Uma curiosidade: a sanpou é a única mulher casada dentre as três damas da corte, fato evidenciado por ser a portadora do shimadai, ornamento típico de casamentos e por ter as sobrancelhas raspadas (pelo visto, somente as mulheres casadas de antigamente podiam raspar as sobrancelhas).

A dama sem sobrancelhas. Foto do blog Ishikawa Denki


Por último, à direita, está a terceira das damas, a Nagae no choushi (長柄の銚子). Ela também está em pé e segura um copo de cabo longo contendo saquê para servir ao casal imperial.

É interessante notar que os nomes Kuwae no chōshi, Sanpou e Nagae no choushi não são nomes próprios mas sim, nomes dos apetrechos carregados pelas damas.

Gonin bayashi (五人囃子), a orquestra imperial

O quinteto. Foto: Kyoto-Shimazu


Na plataforma abaixo das San-nin kanjo (na maioria dos casos, é a terceira plataforma contando de cima para baixo) estão dispostos cinco músicos cuja missão é entreter o casal imperial e os demais nobres.

Estes músicos são representados por rapazes jovens, e seus instrumentos são praticamente os mesmos utilizados em apresentações de teatro Nô.

Da esquerda para a direita, do ponto de vista de quem está de frente para a plataforma, são eles:


Tambor com baquetas (太鼓, Taiko), músico sentado;







Tambor de mão (大鼓, Ookawa ou Ootsuzumi), músico em pé;





Tambor de mão pequeno, colocado sobre o ombro (小鼓, Kokawa ou Kotsuzumi), músico em pé;





Flauta (笛, Fue) ou Flauta transversal (横笛, Yokobue), músico sentado;





Cantor (謡い方, Utaikata), sentado, segurando um leque na mão direita.



Nota: Os desenhos dos músicos acima (com exceção do cantor) foram feitos por Toto-tarou (Wikipédia). O desenho do cantor é do Studio Web.

Fontes de referência e lugares para se ver mais fotos:

Koboku (em japonês)
Chotto Maniac (japonês)
Kairi (japonês)
Info Japan (inglês)

Hina Matsuri II - O casal imperial

O imperador e a imperatriz são colocados na plataforma mais alta.


Continuando com o assunto do artigo anterior, vamos passar a conhecer um pouco mais sobre o item essencial de todo Hina Matsuri: as bonecas imperiais ou Dairi-bina (内裏雛).

Há o imperador (御内裏様 Odairi-sama) segurando na mão direita uma espécie de cetro ou bastão ritual (na verdade, trata-se de uma tabuinha de madeira), o shaku ( 笏), e a imperatriz (御雛様 Ohina-sama), com um leque feito de madeira de cipreste.

O poderoso chefão


Exemplo de shaku (笏), a tabuinha de madeira que o imperador sempre traz na mão direita


E vejam só que coisa: enquanto Odairi-sama significa, literalmente, “o grande e honorável senhor do palácio imperial”, uma das possíveis traduções de Ohina-sama é “a grande e honorável senhora pintinho”!

Detalhe da imperatriz, que segura um leque com as duas mãos


Ah, tudo bem, admito que estou enganando vocês... É verdade que uma das leituras do kanji 雛 pode ser hiyoko, que significa “pintinho”, mas quando ele é lido como hina, o significado é diferente e variado, podendo ser traduzido como “jovem menina”, “boneca” ou ainda, por extensão, “princesa”...

Aliás, pra sermos bem justas, quando os japoneses querem escrever a palavra “pintinho”, eles nunca usam o kanji; preferem escrever em qualquer um dos outros silabários disponíveis na língua japonesa, o hiragana e o katakana, justamente para evitar comparações de mau-gosto como essa que eu acabo de fazer...

Kyō-Hina e Kantō-Hina

Kyō-Hina (京雛) é o nome das bonecas que seguem o estilo da antiga corte imperial em Quioto. Kantō-Hina (関東雛) são as bonecas típicas da região de Kantō (Tóquio e arredores).

A diferença entre elas é mais aparente em relação à ordem em que as bonecas são colocadas na plataforma.

Para quem está posicionado exatamente de frente para elas, a ordem das Kyō-Hina é: imperatriz à esquerda e imperador à direita. Este é considerado o arranjo mais tradicional, que era seguido pelo antigo palácio imperial de Quioto até a era Meiji (1868-1912).

Kyō-Hina


Para as Kantō-Hina, a ordem é invertida, ou seja, o imperador fica à esquerda e a imperatriz à direita (como mostrado na primeira foto deste artigo).

E por que isso acontece?

Na China antiga havia um costume advindo de tempos imemoriais de que o lado esquerdo era superior ao lado direito. Assim, o imperador chinês tinha seu trono sempre do lado esquerdo e seus mais altos dignitários se sentavam desse lado também.

Esse costume foi passado para o Japão no início do período Heian (794-1185) e adotado pela corte de Quioto. Assim, os assentos de honra eram posicionados de maneira que o imperador, considerado superior a todos, ficava sempre sentado do lado esquerdo e a imperatriz do lado direito (isto é, para quem estivesse de frente para eles, o que se veria era a imperatriz primeiro, à esquerda, e o imperador do seu lado, à direita).

No entanto, por ocasião da cerimônia de entronamento do imperador Taishō (大正天皇, Taishō-tennō) em 1915, essa tradição foi quebrada pela primeira vez. Diz-se que o imperador era grande admirador da cultura ocidental e, por isso, resolveu adotar o costume das cortes européias, em que o rei ou imperador ficava do lado esquerdo de quem o vê de frente.

Seu sucessor, Hirohito (mais conhecido agora pelo nome de imperador Shōwa: 昭和天皇, Shōwa tennō), também fez o mesmo durante sua cerimônia de entronamento no Shishinden (salão de cerimônias de Estado) de Quioto, em novembro de 1928, resolvendo abandonar a tradição e imitar seu pai.

A partir daquele momento, a nova etiqueta foi adotada definitivamente em Tóquio, e a Associação de Bonecas Japonesas, a Nippon Ningyou Kyoukai (日本人形協会) também resolveu aderir à moda.

Mas em Quioto continuou-se a observar e manter a ordem de antes das eras Shōwa e Taishō.

Desta vez, as fontes de referência para este artigo são todas em japonês:

- Kougetsu Arquivo em formato PDF que mostra de maneira bem didática a disposição das bonecas.

- Site da Daishin Honten Corp. que explica diferenças entre Kyō-Hina e Kantō-Hina.

Hina Matsuri - O Festival das Bonecas

3 de março foi Dia das Meninas aqui no Nihon. Nesta ocasião acontece o famoso Festival de Bonecas (em japonês: 雛祭り, Hina Matsuri), um festival que, diferente dos demais, não é celebrado ao ar livre, com fogos, danças ou desfiles, mas dentro de toda casa cuja família tenha uma ou mais filhas.

Não é feriado nacional; apenas um dia em que bonecas especiais, chamadas de Hina-ningyō (雛人形), são dispostas em plataformas em degraus recobertas por um pano vermelho, numa espécie de altar para pedir aos deuses que a(s) menina(s) cresça(m) forte(s) e feliz(es).

Foto: David Wiley. Encontrada no Flickr


Estas plataformas variam em número, de três a sete, dependendo apenas da situação financeira de seus donos (ou seja: quem tem mais grana, compra bonecas mais tchans representando um cortejo inteiro e coloca mais plataformas para exibi-las). Como muitas famílias japonesas vivem em casas pequenas (ou com orçamento apertado), hoje em dia são muito populares versões com apenas o casal imperial, que dispensam as plataformas espaçosas.

Exemplo com três plataformas.
Foto: katorisi, da Wikipedia

A menos que já exista um conjunto dessas bonecas para ser passado de geração a geração, pais ou avós têm de adquiri-las quando nasce uma filha na família, e o primeiro Hina Matsuri dela é chamado de Hatsu zekku (初節句 ou 初節供), Primeiro Festival Sazonal.

Exemplo com sete plataformas. Foto: Wikipedia

As bonecas representam o imperador e a imperatriz, três damas da corte, cinco músicos, dois ministros e três serviçais, todos com vestimentas tradicionais do período Heian (794-1185).

A maioria das famílias monta esse conjunto em meados de fevereiro e o guarda imediatamente após o encerramento do festival, porque existe uma superstição que diz que aquelas que demoram muito para desmontar e guardar as bonecas enfrentarão muitas dificuldades para conseguir casar suas filhas.

Flores de pêssego, que simbolizam um casamento feliz, são elementos decorativos indispensáveis neste festival. As flores incorporam todas as qualidades consideradas como altamente desejáveis em uma mulher (pelo menos, na sociedade japonesa): delicadeza, elegância e serenidade. Ou seja: para que um casamento seja feliz, uma mulher deve ser frágil, preocupar-se com a moda e a etiqueta e jamais, jamais em sua vida sofrer uma crise de TPM...

Nos próximos artigos, vou tentar explicar como são dispostas as bonecas, acessórios e doces em cada uma das plataformas.

Para quem quiser saber mais (e tiver conhecimentos de inglês), as principais fontes de referência utilizadas para escrever este artigo foram:

- O artigo "Hina Matsuri" na Wikipédia em inglês (em português também vale, apesar de o artigo estar mais incompleto);

- About.com:Japanese Language : site muito bom explicando sobre essa tradição. Infelizmente, as ilustrações explicativas sobre a ordem em que aparecem as bonecas está meio confusa (sem falar de alguns desenhos na ordem errada);

- Far Strider : mostra fotos muito interessantes de um santuário na província de Wakayama que exibe milhares de bonecas Hina ningyō, além de Maneki neko (aqueles gatinhos de patinha levantada que são comumente encontrados dentro de muitas lojas como um talismã para atrair fregueses) e muitos outros tipos de bonecos e estátuas;

- Ginkoya : Conta de maneira bem detalhada a história e a evolução desse festival.

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