Continuando com o assunto do artigo anterior, vamos passar a conhecer um pouco mais sobre o item essencial de todo Hina Matsuri: as bonecas imperiais ou Dairi-bina (内裏雛).
Há o imperador (御内裏様 Odairi-sama) segurando na mão direita uma espécie de cetro ou bastão ritual (na verdade, trata-se de uma tabuinha de madeira), o shaku ( 笏), e a imperatriz (御雛様 Ohina-sama), com um leque feito de madeira de cipreste.
E vejam só que coisa: enquanto Odairi-sama significa, literalmente, “o grande e honorável senhor do palácio imperial”, uma das possíveis traduções de Ohina-sama é “a grande e honorável senhora pintinho”!
Ah, tudo bem, admito que estou enganando vocês... É verdade que uma das leituras do kanji 雛 pode ser hiyoko, que significa “pintinho”, mas quando ele é lido como hina, o significado é diferente e variado, podendo ser traduzido como “jovem menina”, “boneca” ou ainda, por extensão, “princesa”...
Aliás, pra sermos bem justas, quando os japoneses querem escrever a palavra “pintinho”, eles nunca usam o kanji; preferem escrever em qualquer um dos outros silabários disponíveis na língua japonesa, o hiragana e o katakana, justamente para evitar comparações de mau-gosto como essa que eu acabo de fazer...
Kyō-Hina e Kantō-Hina
Kyō-Hina (京雛) é o nome das bonecas que seguem o estilo da antiga corte imperial em Quioto. Kantō-Hina (関東雛) são as bonecas típicas da região de Kantō (Tóquio e arredores).
A diferença entre elas é mais aparente em relação à ordem em que as bonecas são colocadas na plataforma.
Para quem está posicionado exatamente de frente para elas, a ordem das Kyō-Hina é: imperatriz à esquerda e imperador à direita. Este é considerado o arranjo mais tradicional, que era seguido pelo antigo palácio imperial de Quioto até a era Meiji (1868-1912).
Para as Kantō-Hina, a ordem é invertida, ou seja, o imperador fica à esquerda e a imperatriz à direita (como mostrado na primeira foto deste artigo).
E por que isso acontece?
Na China antiga havia um costume advindo de tempos imemoriais de que o lado esquerdo era superior ao lado direito. Assim, o imperador chinês tinha seu trono sempre do lado esquerdo e seus mais altos dignitários se sentavam desse lado também.
Esse costume foi passado para o Japão no início do período Heian (794-1185) e adotado pela corte de Quioto. Assim, os assentos de honra eram posicionados de maneira que o imperador, considerado superior a todos, ficava sempre sentado do lado esquerdo e a imperatriz do lado direito (isto é, para quem estivesse de frente para eles, o que se veria era a imperatriz primeiro, à esquerda, e o imperador do seu lado, à direita).
No entanto, por ocasião da cerimônia de entronamento do imperador Taishō (大正天皇, Taishō-tennō) em 1915, essa tradição foi quebrada pela primeira vez. Diz-se que o imperador era grande admirador da cultura ocidental e, por isso, resolveu adotar o costume das cortes européias, em que o rei ou imperador ficava do lado esquerdo de quem o vê de frente.
Seu sucessor, Hirohito (mais conhecido agora pelo nome de imperador Shōwa: 昭和天皇, Shōwa tennō), também fez o mesmo durante sua cerimônia de entronamento no Shishinden (salão de cerimônias de Estado) de Quioto, em novembro de 1928, resolvendo abandonar a tradição e imitar seu pai.
A partir daquele momento, a nova etiqueta foi adotada definitivamente em Tóquio, e a Associação de Bonecas Japonesas, a Nippon Ningyou Kyoukai (日本人形協会) também resolveu aderir à moda.
Mas em Quioto continuou-se a observar e manter a ordem de antes das eras Shōwa e Taishō.
Desta vez, as fontes de referência para este artigo são todas em japonês:
- Kougetsu Arquivo em formato PDF que mostra de maneira bem didática a disposição das bonecas.
- Site da Daishin Honten Corp. que explica diferenças entre Kyō-Hina e Kantō-Hina.
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