Funcionária de museu por um dia

Já posso dizer que me tornei funcionária do Museu Nacional de Nara! Pelo menos, na cabeça de dois velhinhos.

Deixa eu explicar como tudo se passou, desde o começo: sempre que visito museus, procuro por placas indicando se é permitido ou não fotografar as peças em exposição, pois alguns não têm restrição nenhuma e você pode fotografar à vontade, enquanto outros não permitem nada.

Estátua de madeira pintada de Aizen Myōō sentado (sânscrito: Rāgarāja). Importante Tesouro Cultural do Japão. Período Kamakura, Era Kenchō 8 (1256).

Na entrada, não encontrei nenhuma placa proibitiva. Mas, para ter certeza, resolvi inquirir um dos guardas que estava por lá. Apesar de ter feito a pergunta em japonês, o homem me respondeu em inglês e se esforçou ao máximo para manter a conversa comigo nessa língua.

Muito gentil, ele me explicou que quem desejasse tirar fotos deveria primeiro obter uma permissão especial. Ele me encaminhou a uma mulher, explicando a ela do que se tratava. Essa mulher também conversou comigo em inglês, visivelmente nervosa. Sei lá, acho que eles são treinados a responder automaticamente em inglês assim que olham pra uma cara estrangeira.

O interessante é que ela também não era a pessoa responsável a me ceder a tal permissão especial pra fotografar, mas meramente uma intermediária (suponho que o guarda não quisesse deixar a entrada do museu sem vigilância e me entregou à primeira pessoa que viu pra poder voltar rapidinho ao seu posto). De qualquer forma, ela me encaminhou a uma mesa onde, aí sim, tinha a funcionária que iria me explicar os procedimentos para obter a bendita permissão.

Ela me mostrou um folheto escrito em diversas línguas e me pediu, em inglês (estou começando a achar que isso é inculcado neles em nível subliminar: Toda pessoa com cara de estrangeiro deve falar inglês. Fale com eles apenas nessa língua, mesmo que eles demonstrem ter conhecimentos de japonês...), que eu lesse atentamente as instruções, que diziam mais ou menos o seguinte:

* Não usar flash;
* Fotografar apenas as peças que tragam escritas as palavras "Nara National Museum";
* Não utilizar as fotos para nenhum fim comercial.

Após ter lido e concordado, tive de escrever meu nome, nacionalidade e deixar meu endereço em um livro. Quando achei que estava tudo finalmente terminado, eis que a mulher lê que sou residente daqui do arquipélago mesmo. Juro que até escutei um clic! vindo da cabeça dela quando caiu em si e percebeu que estava gastando o inglês dela à toa! Ahahahahah!

Mais à vontade, ela me disse (em japonês!) que faltava uma última coisinha. Ai...Nessas alturas do campeonato, já estava arrependidíssima de ter aberto minha boca pro guarda... Deveria ter assumido que a ausência de placas indicava que se poderia tirar fotos à vontade como, aliás, muita gente inferiu, e me poupado toda aquela viagem burocrática.

Bom, essa última coisinha a que a funcionária se referia era uma braçadeira enorme e verde, com os dizeres "Museu Nacional de Nara". Muito prestativa, ela se ofereceu para ajeitar o trambolho no meu braço direito. Feito isso, estava finalmente liberada e sancionada para tirar fotos.

Estátua de Kannon Bosatsu (Avalokitesvara). Período Hakuho (Século VII).

No entanto, notei que era a única pessoa dentro daquele museu usando o distintivo, embora houvesse outros de câmera nas mãos, tirando fotos impunemente sob o olhar displicente dos guardas e funcionários do local. Paciência. Pelo menos, tenho o consolo de ter feito tudo dentro dos conformes.

Também comecei a clicar pra todo lado e estava no meio dessa prazerosa atividade (não estou sendo irônica; eu realmente gosto de visitar museus e tirar fotos) quando um velhinho se aproximou e me perguntou (em japonês!):

- Como você consegue tirar fotos através do vidro que protege as estátuas? Não é melhor abrir o vidro?

Expliquei pra ele que, se deixar a lente da câmera bem rente à vitrine protetora, normalmente não há problemas com reflexos de luz na foto. Ele murmurou um "Ah, éééé? Não sabia disso!" de surpresa com os meus conhecimentos fotográficos e já ia se afastando, quando um outro velhinho que o acompanhava perguntou pra ele:

- Como você sabia que essa estrangeira falava japonês?

A resposta:

- Ah, é que eu notei que ela trabalha aqui. - E apontou para a minha braçadeira monstruosa.

Depois dessa, não liguei mais para o fato de ser a única portadora do estandarte verde e estufei o peito, toda orgulhosa de ter sido transformada em fotógrafa profissional de museu! Ainda que somente por um dia...

Azulejo de cerâmica com a figura de Buda. China, século VI.

4 japanetários:

Emil disse...

Puxa, bem que você podia ter ganho uns trocados no museu, hein?

:-)

Brincadeias à parte, parabéns as fotos publicadas, para fins não comerciais, estão MUITO bonitas.

Eu achava que a única forma de tirar fotos através de vitrines era deixar a câmera na diagonal, afim de evitar o reflexo.

Mas deve curvar-me à sua experiência de museóloga e funcionária do museu de Nara e adotar sua revolucionário prática da "foto de pertinho".

Arigatou.

Rika disse...

Oi, Emil,

Eu também tiro fotos com a câmera na diagonal quando quero fotografar algo grande. Para peças menores, encosto na vitrine que acho q ajuda mais a estabilizar a câmera e evita as temidas fotos tremidas...

Ah, e o segredo do sucesso: câmera digital e tirar trocentas fotos de uma mesma coisa. As chances são de que pelo menos uma das fotos saia decente... ;D

tia Lu disse...

Parabéns à nova funcionária do museu! Excelente texto, primorosa narração!

Rika disse...

Oi, tia,

Assim você me deixa sem graça... :}
Que bela massagem acabou de ser feita no meu ego! :D

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